Racismo E xenofobia: Esquerda critica eleitorado brasileiro no Japão

Empregos no Japão – seu site de notícias do Japão – Resultado no Japão foi favorável a Bolsonaro. Ao criticar o saldo, internautas de esquerda acabam destilando preconceito orientalista

O resultado do primeiro turno das eleições brasileiras em território japonês foi de grande vantagem para o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), que venceu com mais da metade dos votos nos oito locais de votação – e chegou a 80% em Nagoya, um dos cinco maiores colégios eleitorais no exterior.

Para os dekasseguis (brasileiros que foram para o Japão trabalhar como mão de obra barata e não qualificada), o saldo não surpreende, mas, para os eleitores no Brasil – principalmente os de esquerda – esse resultado foi motivo para reproduzir práticas racistas e xenófobas sobre esses migrantes.

A votação no Japão começou às 20h do dia 1 de outubro e foi até às 5h do dia 2 no horário de Brasília. Desde 2018, o número de eleitores por lá aumentou cerca de 25%, passando de 60 mil para mais de 76 mil, em parte como consequência da regularização da documentação brasileira, como CPF e passaporte. No entanto, esse aumento não se refletiu no primeiro turno, que registrou índices de abstenção de até 60% em algumas cidades, como Tóquio.

A preferência do eleitorado brasileiro residente no Japão por candidatos de direita ou de centro-direita existe desde a primeira eleição presidencial brasileira no exterior, que ocorreu em 1989. Em 2018, Bolsonaro recebeu 90% dos votos válidos no Japão e Fernando Haddad (PT), com quem competia fortemente em território brasileiro, ficou atrás até mesmo de Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSB), João Amoêdo (Novo) e Álvaro Dias (Podemos).

Para o pesquisador e co-fundador do MBE (Movimentos Brasileiros Emigrados) Miguel Kamiunten, “independentemente do nome, se o candidato for da direita e tiver o perfil conservador, sempre vence por aqui [Japão]”. Segundo ele, essa tendência está relacionada ao perfil dos dekasseguis, que fizeram parte de um grande fenômeno migratório no Brasil entre os anos 1980 e 1990.

“Hoje, eles estão na faixa etária acima dos 40 anos, vivem há muitos anos no Japão e grande parte é originária dos estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Pará, onde já existe preferência por candidatos tradicionais e conservadores. A vinda ao Japão não mudou o destino do voto”, explica Kamiunten, que também aponta a constância das preferências políticas mesmo com o aumento de eleitores de novas gerações.

A participação de jovens brasileiros nascidos no Japão, ou que foram alfabetizados no arquipélago e quase não falam português recebeu bastante atenção dos consulados brasileiro e japonês, que disponibilizaram voluntários aptos a auxiliá-los – em português e em japonês –, além de sinalizarem orientações nos locais de votação nos dois idiomas. No entanto, embora numericamente pequeno, esse grupo possui uma tendência a votar no candidato dos pais, uma vez que não conhecem muito da realidade brasileira. “É quase um voto dobrado”, explica Kamiunten.

O papel da religião

Para Sergio Akira Kawamoto, paranaense radicado no Japão desde 2000, a igreja Missão Apoio foi onde pôde se encontrar quando se viu desamparado após sua mudança. Aos 15 anos de idade, deixou amigos e o estudo para trás e foi para o Japão, onde tinha uma jornada diária de 8 horas, mais 4 horas extras. “Voltava para casa depois do trabalho e chorava de raiva, pensando ‘que vida que eu estou vivendo?’”, conta ele.

Às sextas-feiras, uma vizinha costumava bater à sua porta para convidá-lo para as reuniões religiosas que aconteciam em seu prédio. Um dia, ele aceitou, e não deixou mais de ir. Casou-se, teve três filhas e tem a igreja como segundo lar.

De acordo com a antropóloga professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regina Yoshie Matsue, núcleos religiosos costumam se tornar um espaço de socialização de imigrantes. “É onde eles podem desfrutar da companhia de seus pares, fazer networking de apoio social para trocar informações sobre empregos e facilidades, dividir experiências e frustrações do dia a dia na fábrica”, explica ela.

A cabeleireira Vanessa Tamura, que fez parte do movimento dekassegui, assim como seus pais, reafirma que a Igreja foi – e continua sendo – um dos principais locais de acolhimento para o imigrante brasileiro no Japão – que é amplamente desamparado por políticas públicas tanto brasileiras quanto japonesas –, o que também acaba influenciando sobre o posicionamento político desse grupo.

“O Japão é conhecido pela tecnologia; sistema educacional exemplar, mas o que as pessoas não te contam é que muitos estrangeiros que estão no Japão vieram nos anos 80 e 90 só com o ensino fundamental, e olhe lá, com a esperança de voltar para casa um dia, mas foram totalmente abandonados por ambos os lados [Estado brasileiro e japonês]. Não tinha militante do PT lutando por ninguém aqui. Enquanto ele perdia a mão numa máquina de prensa, não tinha esquerdista ensinando essa galera que não ter direitos trabalhistas é errado”, explica ela.

O desamparo dos Estados brasileiro e japonês, acrescidos ao não-pertencimento de brasileiros descendentes de japoneses, fomentaram um ódio que, muitas vezes, é difícil de ser expressado. “Em meio a esse abandono de um país onde você pertence, mas é considerado estrangeiro [Brasil], e um país onde você não pertence, mas as pessoas dizem que sim, e que não te acolhe, quem realmente te acolhe são as igrejas, as correntes de WhatsApp e uma imprensa ruim”, afirma ela, que também diz não se surpreender com o espaço que personalidades como Olavo de Carvalho e Bolsonaro ganharam dentro da comunidade brasileira no Japão.

“Todos nós, que se não somos dekasseguis dos anos 80 e 90, somos frutos dele, temos em comum o ódio. Fomos abandonados; ninguém nunca nos falou ‘Tá ruim aí? Volta para cá, você é um de nós, vai dar tudo certo.”, afinal somos considerados estrangeiros para os brasileiros. Em muitos [imigrantes], eu vejo uma pessoa que teve que deixar o Brasil quando o movimento trabalhista começou a ter mais força onde pessoas como ele, pobres, tiveram a oportunidade de estudar sem precisar deixar seu país para se submeterem a trabalhos sujos, pesados e perigosos”, explica a cabeleireira.

Também segundo Vanessa, muitas das informações sobre o Brasil que chegam para os dekasseguis parte da Igreja, ou das empresas que terceirizam o trabalho desses imigrantes. “Nos anos 80 e 90, as informações chegavam no Japão com meses de atraso e, às vezes, chegava pelas igrejas, o que não mudou até hoje: Quando não é através da Igreja, é através de alguém que cresceu aqui, e trabalha para essas empresas que terceirizam as pessoas. Você acha mesmo que é interessante para empresas instruírem pessoas para que elas quebrem ciclos opressores, se informarem e lutarem por algo melhor? O que tem [aqui] são igrejas e empresas que vivem de terceirizações falando que a esquerda é má”, completa ela.

Ainda assim, a política bolsonarista evidenciou diversos casos envolvendo racismo anti-amarelo, desde a associação de chineses ao vírus da COVID-19 a menções sobre o tamanho do órgão genital de japoneses. Militantes amarelos de esquerda ainda fizeram tentativas de conscientizar brasileiros amarelos que tivessem intenção de reeleger o atual presidente.

Resistência à esquerda e os reflexos no Brasil

No último domingo, Jair Bolsonaro venceu com mais da metade dos votos no Japão, seguido de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes e Simone Tebet (MDB). Apesar de ter vencido em outros países onde houve eleição para presidente no Brasil, o PT nunca ganhou no Japão, onde, desde 2002, há uma tendência de diminuição da porcentagem de votos a seu favor a cada eleição.

“A rejeição nas urnas do eleitorado daqui vem crescendo também com o passar do tempo”, afirma a pesquisadora Gabriela Gushiken, que faz doutorado na Universidade Metropolitana de Tóquio sobre a comunidade brasileira no Japão. “Na verdade, em 2014, a porcentagem de votos no Aécio Neves [quando disputou o segundo turno pelo PSDB contra Dilma Rousseff] foi quase a mesma obtida por Bolsonaro em 2018 aqui no Japão”, completa.

Os resultados desagradaram os eleitores de esquerda residentes no Brasil, que começaram a atacar os imigrantes brasileiros no Japão. “O povo que nasce lá é inteligente, mas pelo visto quem nasce aqui e vai pra lá, não”, comentou uma internauta sobre uma postagem no Twitter que informava sobre a vitória de Bolsonaro no arquipélago.

Muitos comentários também relacionam os resultados das votações no Japão ao histórico imperialista e conservador do país. “Para quem não se lembra, o Japão apoiou os nazistas na segunda guerra. Seria isso somente mais uma coincidência?”, questionou um usuário da rede social. “Gente, mas óbvio que ia dar Bolsonaro no Japão. O que esperar de um país que estava ao ‘ladinho’ do Hitler e engana todo mundo com anime. ‘Olha como são fofinhos, olha como são limpos, recolhem lixo no estádio’”, afirmou outro.

Em resposta a comentários como esses, membros da comunidade nipo-brasileira relembraram aos internautas: “Quem vota para presidente do Brasil são só os brasileiros, viu?”, escreveu a tradutora e revisora Yuri Yuhara. “Incrível que tem gente que parece que ‘buga’ e não consegue separar japonês de brasileiro descendente de japonês. E é ainda mais difícil reconhecer que existe uma variedade de pensamentos e opiniões entre os descendentes”, completa.

“Brasileiro não entende que nós, brasileiros nikkeis [descendentes de japoneses], somos todos, em sua maioria total, descendentes de pobres, e infelizmente a grande maioria de dekassegui é trabalhador alineado”, complementa uma usuária do Twitter. “Por favor, não deixem uma derrota nas urnas ser desculpa para orientalismo/xenofobia”, reforça outra.

O cineasta Hugo Katsuo também reforçou em suas redes sociais que homogeneizar a parcela conservadora do eleitorado brasileiro no Japão acaba afastando a comunidade amarela de espaços politizados. “Vocês achariam condizente com a realidade alguém generalizar toda a população brasileira como fascista porque o Bolsonaro foi eleito em 2018? Ou vocês achariam que essa generalização apaga a luta dos movimentos de esquerda aqui? É que vocês fazem isso sempre que falam do Japão…”, escreveu. “Pintar as comunidades amarelas brasileiras, de forma bem homogeneizante (e orientalista), como inimigos conservadores, ignorando todos os esforços que já foram e estão sendo feitos de mobilização de esquerda por elas, só acaba afastando a galera amarela de espaços de esquerda”, completou.

Mais casos de xenofobia

O que aconteceu com o eleitorado brasileiro no Japão é um reflexo de divergências políticas entre grupos sociais. Dentro do território brasileiro, comentários xenófobos também partiram dos eleitores de Bolsonaro, que passaram a ofender os nordestinos assim que a virada de liderança de Lula sobre o atual presidente aconteceu.

Bolsonaro liderava enquanto as urnas do Sul, Sudeste e Centro-Oeste eram apuradas. No entanto, a região do Nordeste deu 10,96 pontos de vantagem a Lula em relação a ele, fazendo com que o petista assumisse a liderança dos votos.

O resultado final das urnas fez com que alguns apoiadores de Bolsonaro atacassem a região. Nas redes sociais, a palavra “nordestino” está entre as mais comentadas, com pessoas xingando e outras defendendo. Entre as ofensas, muitos associaram a fome e a miséria, com o voto em Lula.

“Por isso é onde existe mais miséria, mais fome, menos saúde e educação. Me perdoem os bons nordestinos, mas por essas que passam pelo que passam e merecem (apesar de que Minas não ficou muito atrás em burrice eleitoral). Por ser pobre precisa ser burro também?”, escreveu um internauta que respondeu a um tweet feito pelo comentarista Rodrigo Constantino, apoiador entusiasta de Jair Bolsonaro, que ressaltou que “a parte do país que mais recebe assistencialismo decide sobre a parte do país que mais produz para o PIB.”

Em outras redes sociais, também é possível encontrar diversas publicações que destilam xenofobia sobre os nordestinos. “Nordeste sempre cagando no pau! Povo burro! Merecem mesmo passar fome!”, escreveu um internauta no Instagram.

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